A sensação é poética: liberdade. Num lugar estranho, longe de casa, contando só com meu discernimento, sou livre de (quase) tudo.

Em menos de um mês, já estive em seis cidades diferentes. Em cada lugar, a mesma constatação: a liberdade me prende a si.

Convivendo comigo em vários cantos, nessas viagens, descobri que me gosto. Sou agradável sozinha. Meus fantasmas, agora, me sorriem. Tenho experimentado a saborosa solidão passageira, que existe quando você sabe que tem para onde - e para quem - voltar.

Minha casa é na estrada, nos ares. Assim me realizo, assim me alegro, assim eu sou. E quando volto pro meu chão, começa tudo de novo, com o doce gosto de estreia. Como diria uma famosa operadora de celular: "liberdade é isso".

Pessoas pequenas

Quanta delicadeza se consegue ver nos gestos abruptos de uma criança.
Observando a Maria Clara brincando no parque, no último domingo, pude sentir a leveza daquela alminha pura, cheia de ideias inocentes de felicidade. Os olhos azuis e vivazes refletiam encantamento diante de mínimas descobertas, que, muitas vezes, são cotidianas e banais para nós, adultos. Falta-nos curiosidade, falta-nos perguntar o porquê de certas coisinhas. Perguntamos errado.
As crianças não. Elas são objetivas e claras. Limpas e livres.
- Por que tu tá de manga "turta", tia Su? - perguntou a pequena.
Era um dia quente. Para os grandes, a obviedade diante da questão seria digna, até, de certa intolerância. Mas para ela, não. Não estava tão calor, ela estava meio doentinha e, portanto, sua mãe havia vestido-a com um casaqueto mais protetor. Só que ela não entendia. Questionou.
- Porque a tia Su é grande e não precisa se agasalhar tanto. Como você é pequenininha, tem que usar mais roupa. - respondi.
Para ela bastou. Foi suficiente para que entendesse a condição sem o mínimo de comiseração ou questionamento. Ela continuou brincando, se movendo, vivendo tranquila.
Como eu gosto de conviver com essas pessoinhas. Sempre se aprende e se sente alguma coisa boa.
Quero, um dia, resgatar pra sempre a leveza que acabei esquecendo, aos poucos, no caminho. Certamente vou contar com a ajuda da Maria Clara. Quero ser grande, ter coração gigante, mas uma alma de criança.

Primaverno

Hoje é um típico dia frio, em que queremos um lugar tranquilo para ler um livro. Porque chove chuva, chove sem parar.
Mas quando a chuva passar, quando o tempo abrir, onde tiver sol, é pra lá que eu vou.

Um quarto de século

“Porque o tempo, o tempo não para...”

25 anos. 1984 parece distante, mas eu sinto tão fresco tudo que passou. Canelas roxas e joelhos ralados, galinha caipira com polenta na casa do vovô Zé, cartinhas para amigas e amores, verões em Marataízes, festas de Cachoeiro. Nada volta, nada se vai. Tudo tem cheiro de paz e gosto de vida pura e leve.

Eu me sinto bonita vestindo nostalgia. Porque faz tão bem lembrar. O que foi ruim, ensina. O que foi bom, afaga a alma. Aniversariar e aprender deveriam ser sinônimos, já que cada celebração traz consigo muitas marcas e lições.

25 anos. Tanta coisa por vir e muitas deixadas pra trás. O meu pequeno Cachoeiro, antes lar, virou estalagem, um lugar para visitar. Ali eu sou criança, turista e filha. Hoje vivo, alegre, em um porto, onde pessoas vão e vem sem parar. Um lugar em que desenhei com lápis de cor minha própria família, o meu lar, um mundo novo. Casei-me com o amor da minha vida, pelo qual tanto batalhei, alguém que me acaricia com um olhar. Tenho amigos maravilhosos - longe e perto. Trabalho num lugar que tem a minha cara, onde sinto um estresse diferente, até prazeroso. Estou feliz e realizada, ousaria dizer.

Daqui a 25 anos? Deus ainda está montando o cronograma. E eu confio n’Ele. Só tenho a agradecer pelo que ganhei até aqui e pedir, talvez, alguma sabedoria para um viver simples, igual ao que me trouxe até aqui.

“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para...”